Em 29 de julho de 2003, o NEVERMORE lançava o quinto álbum, o mais raivoso e podemos dizer também, o mais injustiçado de sua carreira: assim podemos definir “Enemies of Reality“.
A injustiça é compreensível: a banda falhou na escolha do produtor. Kelly Grey, ex-baterista do QUEENSRYCHE, banda de Seattle, a mesma do NEVERMORE. O cara que não era familiarizado com o Metal, teve a sua primeira experiência em produzir discos do estilo e era uma aposta perigosa.
As músicas são ótimas e logo abaixo irei destrinchá-las uma a uma, mas a produção quase pôs tudo a perder. Os caras perceberam o vacilo e em 2005, chamaram o mago Andy Sneap para remixar e recuperar a obra. Resultado: temos duas versões para “Enemies of Reality“. A versão remixada tem a cor do fundo da capa modificada, de azul para preto e contém três vídeos como bônus: “Enemies of Reality” e “I, Voyager“, gravados para a divulgação do álbum, além de uma versão ao vivo para a “Enemies of Reality“, na edição de 2004 do “Wacken Open Air“, aqui já com Steve Smyth na segunda guitarra.
A responsabilidade era grande, pois o NEVERMORE vinha do melhor disco de sua carreira. Particularmente, este que vos escreve considera “Dead Heart in a Dead World” como o melhor álbum já lançado nestes anos 2000. E os caras precisavam lançar um disco à altura.
A banda e o produtor Kelly Grey se reuniu para a gravação em Seatlle, no “House of Rock and Metalworks”, enquanto que a remixagem e remasterização aconteceu na Inglaterra, no “Backstage Studios“, sob a batuta de Andy Sneap.
Natural que quem escute a versão original ache ruim, pois os instrumentos estão embolados, e a audição torna-se uma tarefa nada agradável, sobretudo quando se trata de uma banda técnica como o NEVERMORE. Mas a remixagem nos fez perceber que os caras acertaram a mão. E da forma mais violenta possível. É muita raiva neste disco. Aspas para Warrel Dane, em entrevista concedida à época do lançamento:
“Devo admitir que provavelmente todos nós estávamos com muita raiva enquanto fazíamos este álbum. Haviam algumas coisas que estavam perturbando nosso estado de espírito enquanto escrevíamos as músicas e isso acabou encontrando reflexo na atmosfera final do disco. Eram coisas pessoais, mas que contribuíram para que as sessões de composição do disco ficassem mais intensas.”
Dane, Warrel
capa versão remasterizada
O título do álbum foi retirado do filme “eXistenZ“, de David Croenberg. E Dane explicou que um dos personagens do filme, em determinado momento fala “Maybe we’re just the enemies of reality“, e que isso ficou grudado em sua mente. Da mesma forma que anos mais tarde, ele ficaria fixado com o nome da casa paulistana “Madame Satã” e escreveria uma letra com este título, em seu álbum solo, lançado postumamente, “Shadow Work” (2018).
E é exatamente a faixa título que abre o disco, com uns barulhos chatinhos em sua intro, até que Van Williams chega com uma virada de bateria e muda os rumos da música que é gigante, pesada, raivosa, bem Thrash Metal, com riffs magníficos e claro, a voz de Dane brilhando. O solo de Jeff, maravilhoso como de praxe.
“Ambivalent” é densa, pesada, agressiva e tem um Van Williams inquieto em seu bumbo duplo, que tem raríssimas pausas durante a extensão da faixa. Outro som maravilhoso.
“Never Purify” foi a primeira faixa que de fato me chamou a atenção por manter o peso e a agressividade da faixa anterior, porém, com um andamento um pouco mais rápido. E mostra um Jeff Loomis inspirado, tanto nos riffs, quanto no solo. E na primeira versão, eu ficava intrigado, pois uma música tão boa, era avacalhada por uma produção tosca.
Uma quebrada na agressividade extrema do álbum com uma música mais lenta: “Tomorrow Turned into Yesterday” não deixa de ser pesada, mas é mais grooveada, Van Williams tendo uma levada com mais swing no refrão e a performance incrível de Dane, uma das melhores de sua carreira. Essa música é linda.
A faixa cinco é o grande hit do disco: “I, Voyager“, uma música ao mesmo tempo diferente e ao mesmo tempo tipicamente NEVERMORE. E Warrel Dane lembrava que esta seria uma das músicas mais difíceis de ser tocada ao vivo, e contou que a banda chegou a colar as cifras da música nas paredes do estúdio e que Van Williams chegou a questionar como eles tocariam ao vivo. Mas eles tiraram de letra, a música é bem complexa, pesada, com riffs intrincados e diversas mudanças de andamento bastante interessantes.
Create the Infinite” é outra das mais raivosas do álbum e também se destaca pela sua complexidade. Aqui todos os músicos têm uma performance impecável. Uma pequena mudança no andamento durante o meio da música, para dar um pequeno descanso aos nossos pescoços, mas logo a pancadaria retorna.
“Who Decides” é a música mais curiosa do álbum. Ela começa rápida, pesada e agressiva e segundos antes da entrada dos vocais de Dane, a música se transforma em uma balada. Mas atenção: o fã de NEVERMORE sabe que a banda quando se prestava a fazer uma balada, jamais tirava o peso da música. E aqui a regra era mantida, onde a música é “calma” até a parte final, onde os riffs violentos da introdução retornam para encerrar a música com chave de ouro.
“Noumenon” apesar dos seus mais de 4 minutos, é mais uma introdução para a música posterior, “Seed Awakening“, onde Dane repete os versos principais do refrão da faixa que encerra o álbum: “there’s no stronger drug than reality/ twist and change, time is nothing/ regret anything.
E a faixa final entra com os riffs mais nervosos que Jeff Loomis já compôs em sua carreira. E tanto os riffs da introdução, quanto os da base da música, e também os que fecham a música são perfeitos. Mas temos uma quebra no andamento da música para que Jim Sheppard pudesse dar o seu show no baixo, que brilha acompanhado de Van Williams.
E assim chegamos ao final de um disco bem diferente de tudo que o NEVERMORE fez em sua carreira, injustiçado, pois ele é forte, pesado, técnico e agressivo como nunca a banda havia soado. E a banda conseguiu tudo isso em pouco mais de 40 minutos de gravação. Especial demais.
A minha relação com este disco é a melhor possível. Gosto tanto dele que tenho as duas versões, mas confesso que hoje em dia eu raramente escuto a versão original, fico com a versão remixada, pois é muito melhor. E este é um disco importante na carreira da banda e que por isso se faz digno da homenagem por mais um ano de vida. Aos fãs do NEVERMORE, resta o saudosismo, pois não existe nenhuma chance de um retorno sem o seu fundador. Celebremos essa obra prima
Fonte: Roadie-metal.com
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